
03 Jan Risco aumenta quase 25%. Investigadores associam bactéria a Alzheimer precoce
Académicos de uma universidade no Canadá descobriram uma ligação entre a infeção por ‘Helicobacter pylori’ e a doença degenerativa do sistema nervoso central, abrindo assim a porta para tentar compreender melhor o que a causa.
À primeira vista, o nome Helicobacter pylori pode não soar familiar, apesar de ser uma das bactérias mais comuns nos humanos (está presente em dois terços da população mundial). E, agora, um grupo de investigadores da universidade de McGill, no Canadá, concluiu que a infeção por esta bactéria pode estar associada a um risco maior de desenvolver Alzheimer, em pessoas com mais de 50 anos.
O estudo, publicado na revista científica Alzheimer’s & Dementia (Alzheimer & Demência), analisou dados de mais de quatro milhões de pessoas entre 1988 e 2019. E as conclusões são claras: quem teve uma infeção sintomática por Helicobacter pylori acabou por ter mais 11% de risco de desenvolver Alzheimer. “Entre 4 262 092 indivíduos sem demência, 40 455 desenvolveram Alzheimer após um período médio de 11 anos a serem acompanhados. A infeção por Helicobacter pylori foi associada a um risco acrescido de desenvolver doença da Alzheimer, em comparação com a ausência da bactéria”, explicam os investigadores.
No entanto, o período mais crítico são os primeiros sete a 10 anos após a infeção original. Aí, o risco é maior: 24%, valor que vai depois diminuindo.
Ouvida pelo DN, a investigadora Márcia Liz, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), da Universidade do Porto, explica que “a relação já estava estudada, até pelo próprio grupo de investigação que publicou este trabalho”. A novidade é a dimensão da população em estudo. “Foram seguidas cerca de quatro milhões de pessoas, num grande período de tempo e, assim, pessoas que ao início não teriam demência. Conseguiram dessa forma avaliar estes doentes durante este tempo, tendo acesso aos dados clínicos, e ver qual era a correlação entre o desenvolvimento por Helicobacter pylori e o risco da doença de Alzheimer”, explica a investigadora.
Havendo já tratamento para o contágio por Helicobacter pylori, tal pode representar também “uma vantagem” para o combate ao Alzheimer. O passo seguinte será então abordar “qual a possível influência da resposta à erradicação da Helicobacter no risco de Alzheimer”. A porta está, por isso, “completamente aberta” para essa análise mais alargada.
Esta relação entre o tratamento para uma infeção por Helicobacter pylori e outras doenças (no caso, o cancro) já foi estudada, explica ainda a investigadora do i3S. E esse pode ser um dos caminhos a seguir, sendo para isso necessário “acompanhar doentes com programas de erradicação” de Helicobacter pylori, como já acontece “na área do cancro”.
Depois do Reino Unido, há que “alargar a outros países”
Apesar dos pontos importantes deixados pelo estudo feito pelos investigadores da Universidade de McGill, Márcia Liz aponta uma limitação: a geografia.
É preciso pegar nisto e alargar a outros países. Foi feito numa população específica, no Reino Unido, e é preciso alargar esse campo”. Ainda assim, considera que “a amostra é muito grande. Isso permitiu um estudo muito controlado. Primeiro, filtraram e retiraram do estudo aquelas pessoas que já tinham tido algum episódio de demência” e, depois, “para cada caso que desenvolveu a doença, houve 40 indivíduos de controlo, com as mesmas características, dentro da amostra, e que acabaram por não chegar a ter Alzheimer”.
Por outro lado, o estudo analisou também o contágio por salmonela, outra infeção relativamente comum em humanos. “Essa dimensão acabou por representar aquilo a que chamamos um controlo negativo. Ou seja: não houve desenvolvimento de Alzheimer [nos sujeitos de teste]. É por isso um estudo com um bom controlo”.
Márcia Liz, que investiga as doenças neurodegenerativas, acrescenta ainda: “Não creio que os resultados deste estudo sejam algo exclusivamente associado à Helicobacter. Há uma grande ligação entre o microbioma [as bactérias que constituem o nosso intestino] e o cérebro.”
O que é e como se apanha Helicobacter pylori?
A bactéria que esteve no centro deste estudo é relativamente comum. As estimativas apontam para que, em Portugal, cerca de 60 a 70% da população esteja infetada. E, até hoje, é o único organismo vivo conhecido capaz de colonizar o estômago humano e o duodeno, um ambiente muito ácido.
Na maior parte dos casos, as infeções acontecem ainda na infância, por via oral, ao ingerir alimentos ou água que estejam contaminados. Muitas úlceras pépticas, bem como alguns casos de gastrite ou de cancro do estômago são resultado do contágio pela bactéria.
A eliminação espontânea da Helicobacter é muito difícil e a infeção pode permanecer durante anos. A maioria das pessoas afetadas nunca chega, sequer, a apresentar sintomas ou complicações devido ao contágio.
O tratamento – que só acontece após a deteção da Helicobacter – é feito com recurso a vários antibióticos. Contudo, estudos recentes apontam para um ligeiro aparecimento de resistência bacteriana a este tratamento.
AUTOR: RUI GODINHO
FONTE: DN
Imagem de PublicDomainPictures por Pixabay
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